Liderança, diálogo e saúde mental: uma conversa com Ana Tomazelli

Em uma conversa com a RH pra Você, Ana Tomazelli fala sobre crenças enraizadas, desafios da liderança moderna e a importância do diálogo para um ambiente de trabalho saudável.


Apesar de avanços no ambiente corporativo, muitas lideranças ainda encontram dificuldade em promover diálogos saudáveis e naturais com suas equipes. Nesta entrevista para a RH pra Você, Ana Tomazelli, psicanalista e Fundadora do IPEFEM, reflete sobre como as crenças enraizadas no mercado de trabalho afetam as relações entre líderes e liderados, além de destacar caminhos para uma gestão mais humanizada.

1 - Ana, os resultados trazidos pela pesquisa acabam não surpreendendo - infelizmente -, uma vez que no mercado de trabalho são comuns não apenas líderes despreparados para dialogar, mas também a visão de certa forma estereotipada de que discordâncias com líderes podem prejudicar a trajetória do liderado na empresa. O quanto essas crenças que tornamos como habituais são fatores que também pesam para essa relação de medo/receio entre líderes e liderados? Qual é o seu peso?

A primeira coisa que precisamos considerar, aqui, é que uma crença não surge "do nada". Para existir, ela pode ter nascido de situações reais e constantes, formando um senso comum ou, até mesmo, constituindo parte de uma cultura empresarial. Por outro lado, mesmo que não tenha havido situações concretas para constituir uma crença, a comunicação tem muita importância, ou seja, a relação entre líderes e liderados pode nem ser tão tensionada dessa forma, mas vai contar a maneira como se percebe e como se comunica entre as pessoas através do tempo.

Dito isso, independentemente da origem dessas crenças, elas possuem um peso muito grande, principalmente em um contexto social de insegurança e altas taxas de desemprego. Sim, as estatísticas sociais são fundamentais para nos ajudar a compreender os movimentos internos e é justamente por isso que precisamos ampliar a nossa leitura sobre as variáveis que impactam o ambiente de trabalho.

Então, a pergunta que fica é a seguinte: o que a empresa e as lideranças estão fazendo para que as pessoas refutem essa crença de que não se pode discordar?

A resposta é simples:
promovendo espaços de diálogo mediados;
desestimulando o anonimato;
treinando as pessoas para a autorresponsabilidade, discernimento e pensamento crítico.

2 - Quais são as principais competências - e posturas - que os líderes devem assumir para fortalecer o diálogo, naturalizar discordâncias e tornar saudável a relação com seus liderados?

Os líderes não podem fazer nada sozinhos e não é responsabilidade deles, individualmente, resolver as dinâmicas que se estabelecem pela própria "natureza" do trabalho.

O que eu quero dizer é: um líder nada pode fazer se a empresa simplesmente não se importa em continuar exigindo metas cada vez mais impossíveis, em menos tempo e com recursos mais limitados.

A conta não fecha.
Então, a minha resposta poderia passar por uma série de competências e posturas em relação ao time, mas prefiro sugerir que os líderes aprendam a se unir e, de forma organizada, estabelecer um diálogo com a alta gestão da empresa, com uma postura propositiva de como seria possível utilizar melhor os recursos financeiros em benefício REAL das pessoas.

Como se faz isso? Perguntando para elas, de forma honesta e com a real intenção de implementar avanços.

E terapia. Todo mundo deveria fazer terapia.
Líderes, principalmente.

3 - Não ser contrariado pode aumentar a sensação de "poder" de alguns líderes, uma vez que ele acaba sendo um elemento exclusivo na tomada de decisões. O quanto, porém, que isso pode, na verdade, prejudicar o seu trabalho? Quais "prejuízos" um líder que não incentiva debates e pluralidade de ideias pode ter?

Essa é uma conversa com muitas camadas e que merece mais do que algumas linhas digitadas de resposta.

É muito perigoso "carimbar" um estilo de liderança melhor que outros, porque liderar pessoas é, antes de tudo, vivo e orgânico, ou seja, tem ciclos e um ritmo muito próprio de cada contexto.

A verdade é que ninguém gosta de ser contrariado - isso é humano.

E nem sempre há tempo e ferramentas para organizar o debate e a pluralidade de ideias, basta ver como são os prazos impostos aos times. Então, eu sempre acho muito curioso que a gente tenha fórmulas para como fazer as coisas de um jeito melhor, sem considerar que essas ações exigem, no mínimo, TEMPO, que é tudo o que as pessoas não têm em suas rotinas de trabalho.

Todo mundo sai prejudicado quando não há, como regra, a possibilidade do debate. A sensação de poder dessa liderança pode até durar algum tempo, mas, certamente, é ameaçada pelas agendas ocultas e pedidos de demissão de pessoas relevantes do time, criando-se um clima de desconfiança e tensão.

Além de tudo isso, por fim, acho que vale mencionar que o grande prejuízo é não colher, do time, tudo aquilo que se poderia produzir, se houvesse segurança psicológica o suficiente para sermos, apenas, humanos.

E humanos, erram.
E discordam entre si.

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